O esmalte vermelho

O Esmalte Vermelho

Ana Paula Toledo Aygadoux

                        Eu a via crescer, era a inevitabilidade do tempo. Das perninhas grossas que rendiam boas risadas quando meus dedos deslizavam fazendo-lhe cócegas nenhuma dobrinha sobrara. Hoje, do tornozelo ao joelho era seu tamanho inteiro outrora. Já não pedia meu colo nem me olhava como seu herói, mal me dava um beijo antes de sair pela porta. E foi no dia em que apareceu com aquele esmalte vermelho que eu vi toda sua vida passar diante de meus olhos. Nada mais eu podia fazer, minha menina virara mulher. Não teríamos mais a cumplicidade das bolinhas de sabão, nem as caretas disfarçando nossas besteiras. O esmalte vermelho trouxera com ele suas consequências e eu teria que dividir a moça. No entanto, com meu coração doendo, percebi que a queria por inteiro, ou seria minha ou não seria dele, ah, um erro, vocês diriam, mas na minha cabeça não havia outra possibilidade. Só que a vida não é um conto de fadas, e desvia nossas vontades, a minha, nesse caso, não foi nem levada em consideração e, quando vi, ela partia, nem vestido branco ela quis. Com aquelas unhas sempre vermelhas e nos lábios, agora, também um brilho escarlate, ela iria conquistar o mundo sozinha. Talvez não sozinha, ela levava aquele menino de calças compridas com ela. Ele era tão criança para ela, jamais iria poder lhe dar tudo o que eu lhe dava. Ainda assim ela me desprezava. Abri e fechei incontáveis vezes aquela porta, sempre a espera de encontrar alguém em pé na soleira. A cada dia que passava ela me parecia muito mais pesada que de costume, meus pés já não caminhavam com a mesma facilidade e eu arrastava os chinelos tentando me locomover e levar comigo toda a melancolia que eu carregava nos ombros. As chamadas de vídeo agora eram escassas, ela não tinha tempo. E mesmo quando sua figura brilhava na tela, com os vermelhos lhe sobressaindo, um intruso teimava em aparecer, agora insolente, como se fossemos íntimos; eu mal disfarçava meu descontentamento em sorrisos amarelos. Já quando não mantinha mais as esperanças de tê-la novamente em meus braços, um dia, docemente iluminado pelos raios de sol, ouvi o silvo doce anunciar a chegada de alguém. Levantei-me do sofá, apoiei-me com certo esforço no bastão de madeira que agora me fazia companhia, mas a pessoa tinha a chave e, antes que eu pudesse pensar, chegou perto de mim, e aquelas unhas vermelhas, que eu conhecia tão bem, estenderam-me o maior dos presentes, perninhas cor-de-rosa sacudiam no ar enquanto meus dedos enrugados deslizavam fazendo-lhe cócegas e doces gargalhadas infantis trouxeram-me novamente a paz.

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2 respostas para O esmalte vermelho

  1. IUNES CHAMUN disse:

    LINDO como sempre, parabéns.

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